“Porque não haverá uma nova sociedade, baseada em transformar informação
em conhecimento, sem tecnologia, cultura e educação.”
Heras, António Rodríguez
de las ("comunicação pessoal,"15 de outubro de 2010)
As últimas duas décadas deram a conhecer um
conjunto de transformações tecnológicas que trouxeram, implicaram consigo
alterações significativas na socialização, nos produtos culturais, na relação
entre as pessoas e na possibilidade de acesso à informação. As imensas
transformações tecnológicas têm permitido criar uma sociedade de contornos e
formatos novos, a chamada sociedade em rede, de que fala Castells (2002) que
mais do que administrar informação tem relevância em aspectos económicos,
sociais e culturais. Este contacto com recursos e suportes novos com
especial destaque para os mais jovens que lhes deu o contacto com o mundo de um
modo diverso e as ferramentas para poderem comunicar, tem feito acelerar as
possibilidades e as interrogações que uma literacia para os media nos coloca.
Estas ferramentas digitais vêm-nos colocar a
questão essencial de como fazemos a integração curricular com estas novas
possibilidades, e que valor, estamos a dar à criatividade, pois ela tem de ser
um dos aspectos essenciais de uma aprendizagem diversa e funcional. A chamada
leitura da informação, a construção contextualizada de recursos permitem
aumentar o trabalho de partilha e de colaboração entre estruturas intermédias
nas escolas. Estas ferramentas podem-nos permitir desenvolver experiências,
projectos de aprendizagem em que tematicamente o digital nos forneça a
ferramenta para uma utilização criteriosa de objectivos de estudo. As
Literacias Digitais podem implementar janelas de experimentação em áreas como o
conto ou a narrativa de histórias, a escrita criativa, partilhada e avaliada, a
gestão e organização temática de recursos, a proposição de aprendizagens
orientadas por tarefas como as Webquest, a colaboração em tempo real de
processos de aprendizagem como nas Wikis, ou ainda a possibilidade de expressão
individual do que cada um sabe.
A construção que se deseja de pensamento
crítico e da capacidade de pensar é essencial, nesta sociedade do conhecimento,
como a definiu Hargreaves (2003)
que permita com autonomia e responsabilidade criar laços de participação
cívica. Todo este enquadramento conduz-nos àquilo que a escola pode ser, à
redefinição das capacidades de como vamos compreender e utilizar a memória
histórica, como podemos aprender usando as diferentes formas como o cérebro
operacionaliza a inteligência. O digital acrescenta-nos possibilidades
individuais de expressão pessoal e de criatividade, contextualizando o
currículo de uma forma muito mais rica. Penso que o digital poderia ser a nossa
possibilidade, neste País de reformular a educação e ver nela uma oportunidade
de enriquecimento cultural das pessoas e de formação para a vida. Mas existem
dificuldades, para usarmos uma abordagem optimista do que o horizonte nos
mostra. Esta transformação pelo digital, mais do que no
passado carece de uma ideia sólida, simples e coerente sobre o currículo. O
currículo não pode ser visto como o foi encarado muitas vezes e de certo modo ainda o
é, como um simples guião de estudos, com a descriminação de objectivos,
conteúdos e actividades. Também não pode ser essa imensa simplificação do saber
que é a ideia das competências que generaliza sem especificar. O currículo e o
seu uso por uma ideia do que tem sido a capacidade do Homem para intervir na
Natureza, o uso da tecnologia precisa de um saber que se realiza, que se sabe
construir em múltiplas formas de o exercer.
O currículo existe no seu sentido
mais funcional para sabermos que escola, o que cada um de nós construiu ou constrói,
que pessoa se formalizou com esta experiência, esta vivência de um conjunto de
anos. E é isto que se continua a não perceber neste país. O currículo não é um
produto embalado, pronto a ser digerido por alunos e oferecido pela competência
dos professores. Ele enquadra-se numa ideia de organização, de gestão de escola
e de autonomia real das possibilidades de cada um. Não para se criar a ilusão
que em “Olivais da serra”, a física quântica não é a da “Avenida do mar”, nem
que Mozart é uma incompatibilidade de genes, mas que localmente podem e devem
ser criadas as possibilidades de igualar, não pela facilidade, mas pela
capacidade de criar e de exprimir. Ora neste sentido diversificar é
indispensável. Para
concretizar uma ideia de cidadania na escola
e dar possibilidades de expressão e de aprendizagem diferentes que o
digital
permite é necessário explorar com motivação acrescida, como mapas de
ideias, mapeamento de
conceitos, integração do áudio em podcasts, do vídeo em formas
diferentes de
expressar informação. É preciso saber que cidadãos se pretendem formar e
o que
se espera da escola e por isso no sentido que lhe dá Papert (1997) é
necessário construir interesses nos alunos, usando os mecanismos
funcionais desta linguagem.
E é evidente que uma escola pública em que o acto
educativo é apenas um produto e cada vez mais standartizado e a educação uma
mercadoria não é possível conceder as possibilidades que o digital nos pode dar
a uma escola rica de experiências. Que valor tem hoje o currículo oculto nas
reais aprendizagens dos alunos e como se relaciona com o processo de
aprendizagem, quando a construção social que se espera está formatada em
limites insensatos? Quando a ideia social de uma escola como valor cultural e a
educação sem relevância objectiva real para todos os cidadãos, que
possibilidades podemos nós construir com o digital, numa ideia de utilizar a
tecnologia como uma criação de possibilidades e a expressão do que sabemos ser?
Quando o professor deixa de ser relevante como pessoa, como possibilidade de
agir culturalmente numa organização que currículo e tecnologia sobram realmente
para construir? Quando são as tarefas técnicas de desempenho estatístico o que
mais importa acima do valor individual e dos projectos de reflexão da própria
capacidade de gerar conhecimento, terá ainda o digital capacidades para criar
alunos para formalizar uma sociedade que sabe pensar e sabe distinguir o que é
decente e moralmente aceitável? E assim sendo que escola afinal queremos ou podemos
ter?
Referências:
CASTELLS, M. (2002). A Sociedade em Rede I.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
HARGREAVES, A. (2003). O Ensino na Sociedade do
Conhecimento. Porto: Porto Editora.
PAPERT, S. (1997). A Família em Rede.
Lisboa: Relógio d'Água.
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